Não se iluda com a cara de anjo – a mulher aí em cima é uma fera. Neste ano de 2005, a artista plástica Adriana Varejão já fez uma exposição em Paris, terminou um casamento de seis anos, ficou grávida (Catarina vai nascer em janeiro), casou-se novamente, montou e inaugurou outra exposição em São Paulo com todas as peças vendidas, ao precinho de 110.000 dólares cada uma. E com fila de espera. "Ela tem mercado de verdade", atesta o marchand Jones Bergamin, da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro. Aos 41 anos e aparentando muito menos, bonita, chique, moderna, apaixonada, morando num dos lugares mais espetaculares do país, Adriana está no auge. Detesta, por motivos óbvios, ser chamada de a princesa das artes plásticas, mas é difícil imaginar classificação mais precisa para quem, além de ter sua aparência, marca presença nas principais coleções do Brasil e do mundo – Tate Modern, Guggenheim, Fundação Cartier, Patricia Cisneros, Gilberto Chateaubriand e José Olympio Pereira, entre outros.
A obra de Adriana faz uma ponte entre a modernidade e as convulsões físicas e mentais do barroco brasileiro, que descobriu adolescente, numa viagem a Minas Gerais. Influências? Ela lista, de um fôlego só, intelectuais (Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre), artistas (Rembrandt, Goya, Diego Rivera, Iberê Camargo) e cineastas (Peter Greenaway, David Cronenberg). O resultado, que junta elementos de azulejaria a representações realistas de vísceras expostas, é definido pela autora como a síntese de elementos aparentemente desconexos, que vão de botequim na boêmia Lapa carioca a piscina em Budapeste, passando por "notícia de jornal, banheiro de rodoviária, carne-seca em Caruaru e quadro em Nova York". Comentário típico de artista, certo? Mas Adriana não tem nada do estereótipo de excentricidade maluquete normalmente associado à categoria. Disciplinada, trabalha pelo menos oito horas por dia, com duas auxiliares; atenta aos negócios, dedica parte da jornada ao escritório e tem sua vida empresarial completamente organizada, com firma de exportação, impostos em dia e contador. É do time que considera inspiração coisa do século XIX e afirma que sua profissão é igual a outra qualquer, embora a criação seja um processo sofrido. "Durmo cheia de problemas. Quadro tem personalidade própria, e a relação nem sempre é amorosa", diz. O que não impede que tenha tempo para ser carioca da gema: adora praia, chorinho, cachaça e botequim e já teve seu trabalho estampado nas camisetas do bloco Simpatia É Quase Amor, um ícone do Carnaval da Zona Sul do Rio.
Adriana foi salva da banalidade como artista (mulher, bonita, com uma queda por exotismos orientais) pela tremenda força criativa que explode em sua obra. Filha de pai militar e mãe nutricionista, pensou em ser engenheira. Não chegou ao fim do primeiro ano. Depois tentou desenho industrial. A história se repetiu. Em 1984, matriculou-se na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, berço da chamada geração 80, imediatamente anterior à sua. Lá, descobriu a possibilidade de viver da arte. Na mesma época, enamorou-se, literalmente, do Oriente. Enveredou pelas artes marciais, tornou-se professora de tai chi chuan, casou-se com seu instrutor, viajou para a China. Depois viveu um casamento de seis anos e muitas rodas de samba com o músico Marcello Gonçalves. Em março deste ano, uma nova guinada. Foi durante uma visita a Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, a convite do empresário mineiro Bernardo Paz, dono do Centro de Arte Contemporânea Inhotim, um ambiciosíssimo empreendimento cultural construído para abrigar sua coleção. O assunto em pauta era a construção de um pavilhão dedicado ao trabalho de Adriana. Rapidamente, a conversa tomou outro rumo – e que rumo. Em poucas semanas ambos desfizeram os respectivos casamentos e, em seguida, ela engravidou.
As fofocas ultrapassaram as fronteiras do mundinho das artes plásticas. Paz é quinze anos mais velho que Adriana, estava no quinto casamento, e é uma figura controvertida no meio artístico. Seu Centro de Arte, de uma beleza de tirar o fôlego, é considerado um espetáculo pelos admiradores e um delírio megalomaníaco pelos detratores. O namoro e a festa de arromba do casamento catapultaram Adriana dos suplementos culturais para as colunas sociais. "Foi muito estranho. A gente fazia qualquer coisa e saía no jornal", diz ela. A festa, para 300 convidados, aconteceu em plena ebulição do escândalo do mensalão, o que acrescentou ainda mais pimenta às fofocas em torno do casal, porque Cristiano Paz, sócio de Marcos Valério nas agências SMPB e DNA, é irmão de Bernardo (e acabou não indo à festa).
No ano que vem, que começará com o nascimento de Catarina, a vida de Adriana ganhará contornos de malabarismo. Ela terá de se dividir entre o feijão-tropeiro com lingüiça e a alimentação natureba, entre a escala monumental de Inhotim e a sua própria, intimista, entre duas casas e dois ateliês. Vai acompanhar a construção do pavilhão que deu início a seu romance com Paz e trabalhar nas obras que ficarão ali expostas, mas não quer permanecer longe do mercado do Rio e de São Paulo (nem dos botequins cariocas, claro). Adriana está se programando para viver na originalíssima ponte aérea Jardim Botânico–Brumadinho. Quanto ao resto do mundo que conta na sua profissão, este vem até ela.
23 de novembro de 2005
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