Os 200 homens mais ricos do
mundo possuem mais dinheiro
que os 2,5 bilhões de pessoas
mais pobres da Terra
Monica Weinberg
A última edição da revista americana Foreign Affairs,referência mundial na área econômica, publica uma série de quatro artigos a respeito da miséria e da desigualdade de renda. O conjunto de textos, que reúne um artigo com visão otimista sobre as formas de minimizar a distância entre pobres e ricos e três pontos de vista mais desconfiados, resultou numa acalorada discussão. O artigo otimista foi assinado pelo economista americano David Dollar, pesquisador do Banco Mundial. Ele informa que até o início dos anos 1980 a renda per capita dos países ricos cresceu em ritmo maior que a das nações pobres, segundo dados do Banco Mundial. De vinte anos para cá, a curva se inverteu. Dollar cita como exemplos a China e a Índia. Os dois países apresentaram elevadas taxas de crescimento nos últimos anos, e isso afetou positivamente a vida de centenas de milhões de miseráveis. "Com o crescimento, a pobreza diminuiu e a desigualdade acompanhou a queda", declarou Dollar a VEJA.
Os artigos que sustentam um ponto de vista mais pessimista afirmam o oposto. O mundo teria piorado nas últimas décadas, e a distância entre pobres e ricos só vai aumentar. O autor mais conhecido dessa corrente cética é outro economista americano, James Galbraith, da Universidade do Texas. Ele critica os dados do Banco Mundial usados por Dollar, apontando para certas incongruências. Uma delas é que, de acordo com os relatórios, a Noruega e a Índia possuem graus de desigualdade semelhantes. Detalhe: a Noruega tem renda per capita de 34.500 dólares, contra 450 da Índia. Numa divisão aritmética simples, vê-se que a renda que o indiano médio aufere em um ano o norueguês médio recebe em cinco dias. Quem está certo, Dollar ou Galbraith?
Não existe uma resposta pronta a essa pergunta, pois tudo depende dos critérios utilizados para analisar a taxa de miséria do mundo e a desigualdade, dois dos maiores problemas sociais da atualidade. A taxa de miseráveis calcula a fatia da população do planeta obrigada a viver com renda inferior ao patamar capaz de suprir as necessidades básicas do indivíduo. Aceita-se internacionalmente que o patamar de corte é 1 dólar por dia. Sabe-se que há cerca de 1,3 bilhão de pessoas vivendo com menos que isso. De acordo com um estudo da Universidade Columbia, a atual taxa de miseráveis é um terço da registrada há trinta anos. Trata-se de um dado positivo e altamente estimulante.
Na outra ponta, está a desigualdade de renda entre ricos e pobres, o chamado fosso social. Alguns exemplos de fosso: os países em desenvolvimento possuem 80% da população mundial, mas detêm apenas 20% da riqueza. Um americano precisa trabalhar o equivalente a um mês para pagar um computador, enquanto um cidadão de Bangladesh trabalha oito anos para fazer a mesma compra. No Principado de Mônaco, 99 de cada 100 habitantes têm uma linha telefônica. No Camboja, apenas um. Só um insensível festejaria tais números.
Um dos exemplos mais espetaculares de desigualdade de renda é o que coteja a riqueza de uma porção da Terra com a fortuna de executivos da gigante Microsoft. Somando-se o patrimônio de Bill Gates, o de Paul Allen e o de Steve Ballmer, o que dá 93 bilhões de dólares, descobre-se que o volume de dinheiro na direção dessa empresa é maior que o produto interno bruto de 43 países pobres. A título de curiosidade, além do trio Gates-Allen-Ballmer a Microsoft tem ainda dois bilionários, outros 115 funcionários com patrimônio de 100 milhões de dólares cada um e nada menos que 1.200 funcionários donos de pelo menos 10 milhões de dólares! É um show de riqueza. Mas é justo que um punhado de pessoas concentre tanta fortuna num mundo onde milhões morrem por desnutrição todos os anos?
Essa é uma maneira ingênua de encarar a questão. Muita gente de boa vontade e de mau raciocínio imagina que a riqueza do mundo é mais ou menos fixa em períodos determinados. Assim, os milionários estariam tirando uma porção dos pobres sempre que se apropriam de suas fortunas graúdas. Esse conceito não leva em conta, no entanto, que riqueza é uma coisa que se cria e cuja circulação acaba de alguma forma distribuindo renda. Se o dinheiro que chega às mãos dos executivos da Microsoft após a venda de programas de computador fosse enviado aos 600 milhões de miseráveis que vivem em 43 países pobres do mundo, cada um teria direito a receber 160 dólares. O dinheiro acabaria em questão de semanas e o resultado da distribuição de renda seria o surgimento de três novos miseráveis, Gates, Allen e Ballmer. A única maneira de iniciar um combate sistemático à pobreza é quase um consenso entre os estudiosos: crescimento econômico. Só ele pode gerar riqueza e sua conseqüente distribuição. Programas de suporte social e incentivo à inserção no mercado são necessários e louváveis. Mas são outra história.