Estudo de pesquisadores do Ipea mostra que, por gerarem muitos empregos num determinado estrato social, os investimentos em educação dão grande incremento à economia e à renda das famílias
Investir em educação é bom não só para aumentar o capital cultural da sociedade e dos cidadãos, mas também para fazer a roda da economia girar. É o que atesta o estudo "Gastos com a Política Social: Alavanca para o crescimento com distribuição de renda", coordenado pelos pesquisadores Jorge Abrahão, Joana Mostafá e Pedro Herculano, do Departamento de Estudos e Políticas Sociais, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os pesquisadores analisaram o impacto dos gastos sociais realizados no ano de 2006 e definiram valores multiplicadores para os valores aplicados, ou seja, o quanto o incremento de 1% do PIB aumenta o próprio PIB e o quanto eleva a renda das famílias. E compararam esse impacto àquele gerado por outras atividades econômicas.
Cruzando dados econômicos do Sistema de Contas Nacionais do IBGE, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), os economistas chegaram à conclusão de que os gastos em educação e saúde têm retorno superior ao de outras atividades. O multiplicador do PIB para a educação foi 1,85%, enquanto o da saúde foi de 1,70%, o da construção civil foi de 1,54% e o de exportações de commodities agrícolas, de 1,4%. No caso do multiplicador na renda das famílias, o da educação foi de 1,67%, o da saúde de 1,44%, construção civil, 1,14%, commodities, 1,04%.
Os fatores que contribuem para isso são a alta geração de empregos da educação em comparação, por exemplo, com o setor agrícola, altamente mecanizado, e as compras que movimentam a indústria nacional geradas por cada setor. Leia, a seguir, a entrevista concedida por Jorge Abrahão, diretor do Ipea e coordenador da pesquisa, ao editor Rubem Barros.
O que representa esse índice para situar a educação como fenômeno econômico no Brasil de hoje?
Esse índice é uma primeira experiência brasileira, nunca havia sido calculado para o caso do nosso país. É a aplicação de uma metodologia já antiga, uma matriz de portabilidade social realizada há mais de 30 anos no mundo. Por que não havia no Brasil? Era muito difícil apropriar isso a áreas específicas. Até então, uma parcela das informações necessárias para chegar a mais detalhes não estava disponível. As últimas pesquisas domiciliares que o IBGE tem conduzido, como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), dentro de um conjunto mais amplo de levantamentos, é que nos possibilitaram chegar a esses dados. Com isso, construímos uma matriz e, dentro dela, pudemos observar as contas sociais e separá-las por áreas específicas - saúde, educação etc. A partir daí, levantamos os multiplicadores. Já era esperado que alguns tipos de despesas públicas tivessem efeitos multiplicadores maiores do que outros.
Como se explica isso?
O gasto em educação, por exemplo tem um efeito de multiplicação maior. Primeiro, porque não é pequeno, representa de 4% a 5% do PIB. O Ministério fala em 5%, o que inclui a merenda, que não incluímos. Colocamos merenda em outra categoria - assistência alimentar à criança, e não como gasto educacional, apesar de ter um efeito educacional. Então, o nosso número é um pouco diferente do número do MEC. A educação deve hoje ser uma das maiores empregadoras do Brasil e é um dos melhores empregos, no conjunto. É um emprego de carteira assinada, acima do salário mínimo, em alguns lugares há planos de carreira. Quando olhamos para o Brasil todo, com 1,8 milhão de professores e mais outros tantos profissionais da educação, trata-se de um grande sistema, que paga muitos salários. Os salários, em grande parte não são muito elevados, mas constroem o que chamamos de as classes médias brasileiras. Essas classes médias brasileiras consomem quase tudo que ganham.
Os ganhos de longo prazo não estão computados, é isso?
Não, consideramos o gasto como elemento de consumo da economia hoje. Não estamos considerando o que ele produz. Para fazer esse outro cálculo, seria o custo-oportunidade, ou seja: calcular, no futuro, o valor presente do conhecimento ofertado hoje. Com certeza, esse é o grande diferencial, mas não estamos calculando isso. Estamos dizendo o seguinte: sem considerar isso, a educação já é um bom investimento, é um elemento importante para a economia brasileira, para o mercado interno. Porque grande parte dos professores, dos técnicos, dos servidores da educação em geral consome produtos nacionais, ajudando a circular dinheiro na economia. Esse circuito é que foi medido. Esse é um multiplicador do PIB muito maior que a maioria. São dois milhões de pessoas exercendo o poder de consumo. Ao fazer isso, há um estímulo à economia local, regional e nacional.
O multiplicador brasileiro para a educação está dentro dos padrões internacionais?
Num país de renda mais homogênea, como a França ou a Dinamarca, por exemplo, esse grupo é fundamental para a economia. Nos países europeus, em alguns casos, cerca de 40% da economia é movida pelo gasto social. Ou seja, salários dos prestadores de bens e serviços, educação, saúde, mais as transferências governamentais, como aposentadoria, seguro desemprego etc. Grande parte disso é o que segura a economia.
Em países com pior distribuição de renda e nível médio de escolarização mais baixo, o investimento tende a ter efeito maior?
Não tenho elementos para afirmar isso. Diria o seguinte: colocar na mão do conjunto da população uma renda permanente, justamente para os segmentos que poupam pouco, que gastam pouco no exterior ou com produtos importados, movimenta mais a economia. Em outros países, o professor não ganha tão mal como no Brasil. Na Europa, um professor, um médico, um advogado ganham valores muito próximos. Isso faz o diferencial da qualidade, profissionais com o mesmo grau de valorização. Para a economia, essas coisas são importantes. Quem tem uma renda permanente pode ir ao mercado fazer a roda girar.
O que gera crescimento?
Em parte é a demanda por bens e serviços produzidos no país. A taxa de crescimento da saúde, por exemplo, é menor que a da educação. Por quê? Na saúde há uma série de compras de materiais e de instrumentos do exterior. Então, você está transferindo o desenvolvimento para fora. Por isso é menor. Mas é expressivo também. No caso brasileiro, aplicar hoje em educação é um bom negócio para a economia. Esse investimento não envolve só emprego, mas sim toda compra de bens e serviços.
Se aumentássemos o porcentual, o retorno seria exponencializado?
Talvez o multiplicador não se alterasse, ou até caísse um pouco. Vamos supor que você dobre, amplie muito a renda do professor. É possível que ele aumente seus gastos supérfluos ou poupe mais. Isso pode mudar o multiplicador, que tem sentido para o que está aí. Se eu crescer 1% hoje, vai dar 1,8. Você não consegue colocar 2% dentro do sistema de uma hora para outra. Mas a economia agradece. Você imagina uma pequena cidade onde se dobra o salário do professor...
Os gastos em saúde também têm alta taxa de retorno. O investimento em saúde pode melhorar o retorno do investimento em educação?
O bem-estar é multivariado. Se eu só fizesse ações de educação, não resolveria a questão. Colocar uma superescola no meio de uma estrutura em que faltam luz, água e esgoto não resolve as questões necessárias. Para gerar mais educação, a dose é uma escola bem estruturada, com um entorno social e econômico variável. É preciso ter infraestrutura social razoável e acesso à saúde para a família. No comunicado do Ipea, especificamos que o Brasil estruturou um sistema de políticas sociais e avançou em diversos níveis. Fizemos as contas por área, mas também há a conta geral: aplicar em política social faz bem para o país. Uma variável potencializa a outra.
O que é mais socialmente rentável em termos de retorno do investimento social: alocar verbas no Bolsa Família ou diretamente no orçamento da educação?
Para a renda da família, o melhor é ter renda. Para a economia, o melhor é a educação. O Bolsa Família é muito pequeno perto da educação, tem um impacto reduzido em relação ao gasto com educação, que é onze vezes maior. Acho difícil ter um sistema de transferência de renda para pobreza maior do que o que está aí.
No campo da educação, estamos entrando num momento em que há uma janela de oportunidades em termos demográficos. Como aproveitá-la?
O mundo que estamos construindo é um mundo de aprendizagem permanente. Não existe um estoque dado de educação fixo. Sou doutor, tenho 12 anos de doutorado e preciso me qualificar sempre. A busca por educação vai transcender as faixas que já estão aí. Construímos pouca coisa em educação infantil. Haverá um processo de desaceleração da demanda. Em 2000, a faixa etária de 0 a 4 anos representava algo em torno de 9% da população brasileira. Em 2040, essa faixa estará reduzida a algo em torno de 3%. A faixa de 5 a 9 anos quase por aí também. Esse conjunto (0 a 4, 5 a 9 e 10 a 14 anos) será reduzido. Haverá uma pressão de demanda muito reduzida no futuro. O que não foi feito ainda para educação infantil e ensino fundamental terá de ser feito. No ensino fundamental, já foi universalizado, haverá diminuição de demanda. Pode ser que sobre dinheiro para melhorar a qualidade. Mas é preciso melhorá-la hoje, não dá para esperar a demografia ajudar.
Mas não será necessário investir na população mais idosa?
Sim. Não é só a aposentadoria. É serviço, saúde, assistência, cuidado. O Brasil vai ter de se preparar. Serão necessários mais geriatras. Em 2040, teremos algo em torno de 7% da população de 210 milhões de pessoas com mais de 80 anos, ou seja, 15 milhões de idosos. Hoje temos apenas 3 milhões. Tudo isso tem a ver com a mudança da família. As famílias do futuro serão pequenas e mais uniparentais, com mães que trabalham. A educação também vai ficar muito dependente da oferta pública desse serviço. Uma grande parte das crianças de hoje ainda está na família, e não sob os cuidados do Estado.
Há intenção de transformar esse estudo em uma série histórica?
Pelo nível de dificuldade de informações que o trabalho exige, calculamos produzir esse trabalho de três em três anos. Assim, conseguiremos enxergar uma evolução. Há uma ideia disseminada de que gastar no social é jogar dinheiro fora. Nosso objetivo era mostrar que o social compõe uma economia, dando um caráter avançado a ela. Fora o que ele gera de conhecimento. O que nós estamos dizendo é que não gera só crescimento, mas também distribuição de renda. Isso é o sinônimo de desenvolvimento. O conjunto da sociedade está melhorando.